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U BOAT 1277

05 maggio, 2015 - 21:40

idealizado e dirigido por Renzo Sicco
estrelado por Rui Spranger, Laura Casano, Valeria Benigni
Organetto Simone Bottasso
uma co-produção Assemblea Teatro e Teatro Pé de Vento

Em Matosinhos, na costa portuguesa, a uma centena de metros da costa e a cerca de 30 metros de profundidade, repousa no fundo do Oceano Atlântico um dos últimos U-boat alemães, o U1277 que se rendeu a 3 de junho de 1945. Os 47 homens da tripulação, quase um mês após o fim do conflito bélico mundial, decidiram render-se a um país neutro. Os quatro oficiais orientados pelo Comandante Peter-Ehrenreich Stever foram os últimos a desembarcar na praia de Angeiras após abandonarem o submarino à deriva para se afundar.
Exatamente após 70 anos, a 3 de junho de 2015 pretendemos reconstituir na mesma praia de Angeiras este acontecimento e refletir sobre o momento da derrota e da rendição total.
Explorar aquela zona de limbo em que toda a preparação para o domínio do mundo para a qual foram formados resulta inútil enquanto toma forma a sua nova condição de prisioneiros.
Foram acolhidos por uma população de pescadores pobres que não pouparam no auxílio àqueles que com as suas divisas aterrorizavam os povos de toda a Europa.
O submarino U1277 foi construído nos estaleiros da Bremer Vulcan em Bremem e lançado à água a 6 de agosto de 1943. Foi o penúltimo submarino a ser lançado à água neste estaleiro. O último, o U1278 teve destino diferente, foi afundado em 17 de fevereiro de 1945 no Mar do Norte por cargas de profundidade lançadas por duas fragatas britânicas causando a morte a toda sua tripulação.

O U1277 tinha 67,23 metros de comprimento, 6,20 metros de pontal, 4,74 metros de boca e 9,95 metros de altura máxima. Utilizava dois dos quatros motores disponíveis que geravam uma força de 3200hp com velocidade máxima de 17,6 nós à superfície e 7,6 nós quando submerso.
Estava equipado com quatro tubos de lançamento de torpedos na proa, dois a bombordo e dois a estibordo (todos de 533mm), transportando um total de 14 torpedos. Possuía também, no exterior, artilharia anti-aérea constituída por um canhão automático de 37mm e quatro metralhadoras de 20mm equipadas aos pares.
A vida a bordo destes submarinos era difícil, num espaço reduzido viviam durante meses em media 50 homens. Apenas havia duas casas de banho para todos, das quais uma, no inicio de cada campanha, se encontrava cheia de mantimentos. Não  havia duche, não tinha medico a bordo, a água potável era racionada e, conforme as aguas por onde navegasse, o submarino assim era a sua temperatura no interior.retroPslide

É com gosto que lhe fazemos chegar o artigo publicado no “La Repubblica”, segundo quotidiano em Itália, em 3 de junho de 2015, assinado pelo jornalista internacional Gabriele Romagnoli

A última viagem do submarino nazi em fuga pelo Atlântico um mês após o fim da guerra

Aconteceu exatamente há 70 anos, numa noite de lua cheia como esta. A hora: 0h50. As coordenadas: 41,09N 8,41W. O local: Cabo do Mundo, em frente à praia de Angeiras, próximo da cidade do Porto. Uma aldeia de pescadores, por isso despertos àquela hora, que do oceano esperavam tudo, menos os fantasmas. Viram-nos chegar numa pequena frota de botes de salvamento, esgotados, maltrapilhos, de divisas molhadas e sujas. Olhavam-nos incrédulos: jamais haviam visto um soldado nazi e ali estavam quarenta e sete. Socorreram-nos porque essa é a lei do mar. Ajudaram estes soldados a alcançar a costa, a colocar o pé em terra firme, que por fim elevaram os braços em sinal de rendição. Entregaram-se a quem não combateu nesta guerra, concedendo-se uma ilusão de neutralidade. Era 3 de junho de 1945. A Alemanha tinha-se rendido há um mês. O que tinha acontecido àqueles guerreiros exaustos que emergiam do mar?
Um projetor acende-se naquele mesmo litoral, na mesma noite, setenta anos depois. De pé sobre um barco, um ator de nome Rui Spranger proclama que, citando Erri de Luca, “o erro do soldado é a derrota”. Atrás de si, projetadas sobre três grandes velas, fluem imagens de bombardeamentos, dos “lager” e dos processos de Nuremberga. O público, composto de residentes daquela terra que no curso dos anos se converteu num destino turístico, observa com a mesma estupefação dos seus pais. A companhia italiana, Assemblea Teatro, trás à superfície uma história esquecida, mas que também lhes pertence. O seu fundador, Renzo Sicco, possui uma casa aqui e ouviu falar do “submarino”. Encontra-se a algumas centenas de metros da costa. Aperceberam-se da sua posição na década de setenta: as redes prendiam-se em “alguma coisa”. Alguns submarinistas acabaram por descobrir “que coisa”. Reemergiu a história.
Maio de 1945, após a rendição militar da Alemanha, o Almirante Dönitz ordenou a todos os submarinos de desarmar os torpedos, emergir, hastear a bandeira negra e render-se. O U-1277 era um dos últimos. Construído no fim da guerra, foi lançado em águas já turvas para a Alemanha. Pesava 871 toneladas, os reservatórios podiam conter 113 de carburante e mergulhava a 180m de profundidade em 25 segundos. A bordo 47 homens, 29 marinheiros, 10 cabos, 4 sargentos e 4 oficiais. As suas idades compreendidas entre os 18 e os 20 anos, exceto o comandante Peter Stever que tinha 27.
A sua primeira e última aventura iniciou-se a 22 de abril em Bergen. Apenas após a partida foi aberto o envelope selado com as ordens: dirigir-se para o Canal da Mancha e enfrentar a frota inglesa. “Missão de ida para o céu”, um nome de código não muito enigmático. De 40 mil soldados enviados nos U-boot 30 mil morreram. Pouco depois a contraordem: acabou, façam rota para Kiel e rendam-se. O tenente Stever desligou o rádio, olhou os outros oficiais. Kiel significava morte certa, os soviéticos que a tomaram não teriam piedade. Baixou os olhos sobre a carta náutica. Com o indicador assinalou a sua posição, deslizou-o para ocidente até Vigo, na Espanha franquista. Ali, bate com o dedo e pára. Eleva o olhar, os restantes concordam. Tinham carburante e alimentos, mas apenas uma casa de banho disponível, nenhum duche, uma única muda de roupa interior. Num submarino a temperatura é a mesma do oceano e o do norte é gélido. Dispensaram os instrumentos de navegação para não serem intercetados. Navegaram com os mapas e o instinto.
Quase um mês na barriga de uma baleia de aço, na barriga do mar: tinham perdido e estavam perdidos. É difícil imaginar uma representação mais forte da derrota: não te deixa nada, nem uma causa, nem um sentido. Não estás mais de nenhum lado, nem mesmo do teu: para a Alemanha, Stever e os seus homens eram desertores, para os ingleses que os procuravam, eram ainda inimigos. Tanto uns como os outros acusavam-nos de desobediência. Erraram o destino, mas por pouco: o Porto é a pouco mais de 100km em linha reta. Quando viram a costa o tenente fez sair os botes e permaneceu a bordo com quatro homens. Ordenou o afundamento do submarino, que ainda ali repousa, revestido de anémonas brancas. Emergiu após trinta noites para ver as estrelas. Iluminados pela lua cheia, pálidos como estavam, Stever e os seus homens seriam como espetros. Os pescadores tiraram-lhes a fome nas suas casas, com peixe e batatas. Foi alertada a Guarda Fiscal, cujo responsável, Rodolfo Mesquita, tinha o mesmo nome do neto que lhe sucedeu e procurou licenças para o espetáculo “dos italianos” numa zona pública costeira. Recorda ainda a “lenda do avô e dos nazis desembarcados”. Foram prisioneiros num forte próximo e depois enviados para Lisboa onde foram entregues aos ingleses. Permaneceram prisioneiros até 1947. Peter Stever por mais tempo, condenado pelo afundamento do U-boot 1277. Há trinta anos, no quadragésimo aniversário, uma dúzia deles reencontrou-se aqui para um jantar de recordação. Setenta anos depois, já sem sobreviventes, acontece este espetáculo.
“O objetivo não é recriar – afirma Renzo Sicco – mas refletir sobre o dever de acolhimento e as consequências da guerra.” E sobre o facto de que nas horas mais escuras, o erro do soldado é a obediência e que no seu contrário reside a salvação, para ele e para todos.

Gabriele Romagnoli

 

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